segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O Teatro do Oprimido e a Saúde Mental

por Gabriela Teixeira Neto


A Reforma Psiquiátrica Brasileira trabalha com a lógica da desospitalização. Esta lógica é focada na família e na comunidade e propõe-se a desenvolver ações de promoção, de prevenção, de tratamento e de reabilitação. Esses são os mesmos princípios e diretrizes propostos na Atenção Básica, ou seja, de acordo com Modesto e Santos (2007), “é um eixo estratégico para a inserção das ações de Saúde Mental e um campo fértil para essa nova forma de pensar saúde.” (p.20).

De acordo com Ebert, Loosen e Nurcombe (2002), além do tratamento básico que é o farmacológico, feito pelo psiquiatra, existem outros tipos de trabalhos que podem ser realizados para melhorar a qualidade de vida dos usuários da Saúde Mental. A Arte pode ser um desses trabalhos que inclui a pintura, desenho, teatro, confecção de objetos de madeira, barro, etc., e que tem a finalidade de recuperar a capacidade desses pacientes de voltar a fazer algo, combater a falta de vontade, desenvolver a criatividade, entre outros. O Teatro do Oprimido se encaixa, por tanto, nesses trabalhos alternativos que buscam a melhora da qualidade de vida dos usuários da Saúde Mental.

O Teatro do Oprimido é uma técnica teatral formulada por Augusto Boal. No sentido mais arcaico do termo, teatro é a capacidade dos seres humanos de se observarem a si mesmos em ação. Teatro, então, “é isso: a arte de nos vermos a nós mesmos, a arte de nos vermos vendo!” (BOAL, 2008, p.xx). “O Teatro do Oprimido é teatro na acepção mais arcaica da palavra: todos os seres humanos são atores, porque agem, e espectadores, porque observam. Somos todos espect-atores. O Teatro do Oprimido é uma forma de teatro, entre todas as outras” (BOAL, 2008, p.ix). Seus princípios são: a transformação do espectador em protagonista da ação teatral e a tentativa de, através dessa transformação, modificar a sociedade, e não apenas interpretá-la. Todo o sistema do Teatro do Oprimido foi desenvolvido em resposta a um momento político. Quando, em 1971, a ditadura do Brasil tornou impossível a apresentação de espetáculos populares sobre temas políticos, começou-se a trabalhar com as técnicas do Teatro-Jornal, permitindo que grupos populares produzissem seu próprio teatro. Na Argentina, em 1973, era feito o Teatro Invisível, nos trens, restaurantes, nas filas das lojas e em mercados. E no Peru, no mesmo ano, fazia-se Teatro-Fórum, onde o espect-ator reassumia plenamente sua função de protagonista.

De acordo com Boal (2008), a linguagem teatral é a linguagem humana por excelência, e a mais essencial. Os atores, quando estão nos palcos, fazem exatamente aquilo que fazemos na vida cotidiana. Eles falam, andam, exprimem idéias, revelam paixões, se entristecem, se alegram; assim como todos os seres humanos. A diferença entre atores e não-atores (todos nós) é que os primeiros têm consciência de que estão usando essa linguagem, já os não-atores ignoram estar fazendo teatro, ou seja, usando a linguagem teatral.

Segundo este mesmo autor, o teatro é uma forma de conhecimento e deve ser também um meio de transformar a sociedade, pois nos faz conhecer melhor a nós mesmos e ao nosso tempo. Ou seja, o Teatro do Oprimido pode ser considerado um conjunto de exercícios, técnicas e idéias desenvolvidos com o intuito de apoiar práticas políticas e educativas no sentido de compreender as opressões vividas em sociedade buscando alternativas de solução por meio dele.

Todos nós podemos nos expressar e nos conhecer melhor a partir da linguagem teatral. Trabalhar essa linguagem teatral, encontrada no Teatro do Oprimido, com usuários da Saúde Mental, pode ser uma maneira de fazer com que eles consigam voltar a ter a capacidade de se expressarem, de mostrarem melhor os seus sentimentos, suas angustias, alegrias, e de entenderem melhor a si mesmos. É possível considerar que, assim, a qualidade de vida destas pessoas pode melhorar cada vez mais. Ou seja, é um trabalho de cuidado a esses pacientes e não um tratamento.

De acordo com o Motta (2009) – assessor de comunicação e imprensa do Centro do Teatro do Oprimido no Rio de Janeiro (CTO Rio) – há uma atividade que vem sendo realizada desde 2004, em parceria com o Ministério da Saúde, num trabalho junto aos Centros de Atenção Psicossocial. É a experiência de se utilizar o Teatro do Oprimido no tratamento de pacientes da Saúde Mental. Essa experiência começou no Rio de Janeiro e em Niterói em 2004, e desde 2006 vem sendo realizada também em CAPS do Estado de São Paulo – Guarulhos, Santos, São Vicente, Praia Grande, Guarujá e Cubatão. O objetivo do projeto, segundo o autor, é a capacitação de profissionais da Saúde Mental na metodologia do Teatro do Oprimido, para que esses repassem e apliquem o aprendido nos Centros de Atendimento Psicológico (CAPS), Unidades Básicas de Saúde (UBS), ambulatórios e outras unidades de atendimento médico.

A proposta é que o Teatro do Oprimido possa se tornar uma nova ferramenta, tendo como prioridade os usuários da Saúde Mental, familiares e profissionais da área. Busca-se, por meio de oficinas e espetáculos, segundo Motta (2009), transformar a realidade na qual vivem os pacientes da Saúde Mental, e debater não somente por meio da fala, mas também das imagens, as suas opressões.  As encenações são feitas tanto dentro como fora dos CAPS, levando assim o debate da Reforma Psiquiátrica e dos Direitos Humanos junto da questão da Saúde Mental para a toda sociedade.

Ainda segundo o autor, os psicólogos que trabalham com essa proposta identificam questões no grupo que favorecem o tratamento dos usuários em seu processo terapêutico. Também promovem espaço de auto-investigarão e auto-invenção, fortalecem os vínculos entre os membros dos grupos e trabalham para incluir as famílias nesse processo teatral dos participantes. A parceria com o Ministério da Saúde resultou numa relação mais humana entre os pacientes, seus familiares e os profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS).

Desde que o Teatro do Oprimido é utilizado na Saúde Mental, constatou-se que diminuíram os períodos de internação e de depressão desses pacientes, a adesão ao tratamento aumentou, o consumo de medicação diminuiu e a vontade de viver ressurgiu.

BOAL, A. Jogos para atores e não-atores. 12ªed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

EBERT, M. H; LOOSEN, P. T.; NURCOMBE, B. Psiquiatria: diagnóstico e tratamento. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002.

MODESTO, T. N; SANTOS, D. N. Saúde Mental na Atenção Básica. Revista Baiana de Saúde Pública, v.31, n.01, p.19-24, jan./jun. 2007. Disponível em: <http://www.jornalorebate.com.br/site/ciencia-e-saude/3451-a-nova-onda-da-saude-mental->




GABRIELA TEIXEIRA NETO é psicóloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Campus Poços de Caldas, no período de 2006 a 2010; e pós-graduada em Saúde Mental:  Atenção psicossocial, pela mesma universidade. Trabalha como voluntária no Abrigo São Francisco (atendimento psicológico para moradores de rua/dependentes químicos; e supervisão de estágio do curso de Psicologia em Poços de Caldas. Agendamento para atendimento em Poços de Caldas, MG, pelos telefones  (35) 9914.8963, (35) 3712.5766 e/ou pelo e-mail gabitneto@yahoo.com.br.

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